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A vocação de São Camilo

22.05.2020 | 7 minutos de leitura
São Camilo
A vocação de São Camilo

Toda vocação acontece dentro de um contexto. É uma resposta humana ao chamamento divino. Assim aconteceu com Abraão, Moisés, Profetas, Apóstolos e Maria de Nazaré. Chamado e resposta implica intimidade entre quem chama e quem é chamado e, consequentemente, consagração total às causas do Reino de Deus. O sentido dessa doação e despojamento está em Jesus Cristo. Em Cristo e por Cristo acolhemos com generosidade e abnegação ao convite: “Vem e segue-me” (cf. Mt 16, 24; 19, 21; Lc 9, 23).

Para o biógrafo, Pe. Mário Vanti, M.I., no escrito “O espírito de São Camilo”, desde muito jovem, Camilo teve um gérmen de vocação religiosa. Sentia certa inclinação para as obras de caridade, não com os doentes, porém no acolhimento de pobres andarilhos, forasteiros e viajantes. “Não se explica de outra forma a decisão que tomou – todas as vezes que entrou em si – de se tornar religioso” (VANTI, 1982, p. 19).

Na escola da vida, Camilo de Lellis passou por grandiosas provas, em muitas foi reprovado, mas em outras foi aprovado com louvor. Três acontecimentos foram significativos para sua entrega e consagração a Deus e à Igreja. O primeiro foi a perda dos pais; o segundo foi o aparecimento da chaga no pé e o terceiro a sua conversão.

As biografias sobre São Camilo relatam que ele foi fruto de um milagre. Camila, sua mãe, concebeu-o de deu à luz com idade avançada. Aos 13 anos de idade, o jovem Camilo sentiu a dolorosa perda da mãe. A partir daquele momento a sua vida foi marcada por descompassos e desencontros. Desconcertado, entregou-se à vida mundana, principalmente aos jogos de azar.

O capitão João de Lellis, pai de Camilo, vendo a situação de seu filho, não hesitou em levá-lo consigo para controlá-lo. Naquele ambiente militar não fez grande progresso, nem mesmo conseguiu fazer Camilo estudar. Camilo, sempre muito teimoso, sem a autorização do pai alistou-se no exército de Veneza, mas, logo foi suspenso do recrutamento. Ele continuava viciado nos jogos.

Em 1570 estourou um motim e o veterano João de Lellis partiu para a guerra, levando consigo Camilo e dois sobrinhos. No caminho o valente soldado começou a passar mal e decidiu regressar para casa. Ainda a caminho não agüentando partiu para a casa eterna. Agora, Camilo, também estava órfão de pai. Após o sepultamento de seu pai, muito triste e pensativo, voltou para sua terra natal, Buquiânico. Ele sentia grande solidão, desespero e um vazio existencial, não encontrava sentido na sua vida.

Conforme narra o Pe. Sâncio Cicatelli, além da tristeza pela morte do pai, Camilo não estava bem de saúde devido uma febre muito alta. Nessa ocasião, apareceu-lhe uma pequena ferida na perna direita, sobre o peito do pé. Essa ferida parecia algo inofensivo e de curar rápida, mas não foi. Assim temos o segundo fato que marcou significativamente a vida de Camilo. Essa chaga acompanhou-o até o seu derradeiro suspiro (CICATELLI, 1993, p. 23).

Parece-nos que Deus, nosso Salvador, pegou Camilo pela via dolorosa: a perda dos pais e o aparecimento da ferida no pé. Essa fez com que Camilo buscasse um hospital para cuidar-se. Camilo foi submetido a um longo tratamento no Hospital São Tiago dos Incuráveis. Ali pôde ver a situação dos doentes, descobrindo a sua pequenez e pobreza.

A vida de Camilo estava mergulhada no sofrimento. Mesmo com a sua doença não conseguia parar de jogar. Dizem que certa vez envolveu-se numa briga e perdeu até a camisa do corpo. Diante dessa situação resolveu prestar algum tipo de serviço no Hospital São Tiago e em conventos franciscanos e capuchinhos.

Vendo a vida devota e pobre dos franciscanos decidiu que queria ser como eles. Queria consagrar-se à vida franciscana. Então dirigiu-se para Áquila, onde seu tio, frei Paulo de Loreto, irmão de seu pai, era guardião do convento São Bernardino. Frei Paulo o acolheu, mas observando-o, principalmente o seu estado de saúde, não o aceitou. Camilo esqueceu-se da promessa de ser filho de São Francisco.

Como a chaga no pé continuava aberta, de Áquila voltou à Roma, para continuar o tratamento no Hospital São Tiago. O tratamento era demorado. Nesse período, foi-lhe confiado algum tipo de serviço, porém, ele foi demitido logo, porque vivia brigando com os outros. Todavia, segundo Cicatelli, a razão da dispensa de Camilo pelo mordomo do hospital, Ângelo Napolitano, após várias advertências, foi devido encontrar cartas de baralho sob o seu travesseiro.

Fora do hospital alistou-se no exército, em Roma, para defender Veneza contra os turcos. Continuou nessa situação até 1574. Diante dos grandes perigos bélicos, fez uma prece, em que suplicava: “se escapar dessa, vou tentar novamente ser franciscano” (CICATELLI, 1993, p. 26). Livres dos perigos, dissolvidos os regimentos, Camilo sentiu-se livre da guerra, embora estava sem dinheiro e saúde debilitada. Viu-se na situação de esmolar diante de uma igreja.

Enquanto estavam ali, um bom senhor, chamado Antônio de Nicastro, procurador dos frades capuchinhos ofereceu-lhes um emprego no convento. Camilo e seu colega não aceitou, pois se tratava de construção civil. Contudo, quando estavam saindo de Manfredônia, Camilo recordou-se de sua intenção de ser religioso franciscano, mas não deu atenção ao seu pensamento e partiram para Barleta.

Em Barleta deixou o seu companheiro e regressou para Manfredônia. Decidiu aceitar o trabalho na construção dos capuchinhos. Camilo aceitou transportar água, cal, pedras e outros materiais para a construção. Essa situação era um grande martírio. Os padres olhando a sua situação o aconselhavam com boas palavras para que não voltasse para os maus caminhos.

Aos poucos, os frades capuchinhos desejam ver Camilo ser um dos seus. Em certa ocasião, por causa do frio, Camilo aceitou vestir o hábito capuchinho. Entretanto Deus em seus desígnios de amor chamava Camilo para outra missão, também junto dos pobres, os mais pobres: os doentes.

Quando terminou a construção, Camilo ficou incumbido de fazer alguns transportes de um convento para outro. Aqui veremos o terceiro acontecimento importante na vocação de Camilo. Foi numa dessas viagens, ao regressar que teve uma forte experiência de Deus. Camilo experimentou de forma profunda a ação divina em sua vida. O amor faz àquilo que está torto se endireitar. Naquele dia comemorava-se a festa da Purificação de Nossa Senhora, 2 de fevereiro de 1575. Entre lágrimas e soluços reconheceu sua cegueira e pequenez. Pediu perdão a Deus e decidiu tomar novo rumo na vida.
 
De volta ao convento de origem, os frades notaram a mudança estampada em sua face. Acolheram o novo Camilo. Ele logo receberia, em definitivo o hábito dos capuchinhos. Logo que tomou o hábito optou a ser irmão leigo, renunciando a ser sacerdote. Pela sua decisão ganhou o apelido de frei Humilde. Passados alguns meses, com o hábito a arrastar sobre o pé chagado fez com que a ferida se abrisse. Por cauda dessa ferida, depois de muitos cuidados e remédios, sem qualquer melhora, Camilo, com muito pesar e grande desgosto dos seus confrades foi demitido da Ordem dos Capuchinhos.        
      
Autor: Gilmar Antônio Aguiar

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